sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Anjo

Iniciou-se mais um dia. Como todos os outros, claros.
Vestia amarelo e prata para esconder a escuridão de sua alma. Choravam sua mente e seu coração, escondidos nos olhos já inchados. Pálida.
"Você está bem?" - perguntava a parente - "Teve uma noite boa?!"
Forçava o sorriso nos lábios - "Sim, como todas as outras".
Era difícil entender como seu amado lhe deixara nas situações mais difíceis. Como poderia mal-trata-la tanto? E com o simples gesto da ausência!? - Relembrar este momento era torturar-se. Queria esquecer! - Cansou, dormiu.
Não sonhava. Seu corpo tentava apagar as marcas da tristeza, e sua mente, as da mágoa. Acordou com os beijos sufocados e suaves em seu rosto. "Eu te amo" - era o que precisava ouvir, ainda que soubesse que duvidaria de cada som produzido com a intenção de provocar o sentido quisto por ele e por ela. Não cansou de procurar a presença de mais alguém em seu quarto, e no corredor avistado pelas frestas entreabertas da antiga porta marrom-rosê. Ninguém! - podia abraçá-lo.
Se era da ausência que sofria, bem planejado foi o presente, entregue nos 4 segundos seguintes. Um anjo, dentro de um globo, cercado pela neve.
Bastou um beijo para o corredor se encher de pessoas, amarguradas ou preocupadas pela situação da jovem, afinal, todos haviam sentido em algum momento o mesmo desgosto da expectativa frustrada.
Expulsou-o de seu quarto. Fechou a porta. Dormiu.

Iniciou-se mais um dia. Como todos os outros, claros.
Não fizeram muita coisa além de arrumar as malas, comprar outros presentes, antecipar a dor da saudade durante a tarde chuvosa que anunciava a tristeza e as lágrimas que chorariam.
O embarque estava anunciado.
Antes do último beijo, a promessa.
Partiram em sentidos opostos - talvez para amenizar a sentimento da separação, que quando lenta, mais doída fica.
Pensou que apenas passaria pelos scanners abusivos que restringiam ainda mais a liberdade e a privacidade de cada indivíduo viajante. Ao contrário, anunciaram o produto ilegal em sua bolsa. Deveria jogá-lo fora ou dá-lo para alguém. Encontrou uma nova conhecida, e pediu que devolvesse ao verdadeiro dono que viria em 24h buscar este objeto.
Passou pelos policiais e pelos scanners. O avião aguardava sua chegada.19:45.
20:30, ainda não decolaram. 21h, todos se preocupam com as escalas e conexões. 21:30, alcançam o céu e seu infinito reduzido à medida em que as camadas eram sobrepostas, mostrando a beleza das estrelas, das nuvens, da lua, da escuridão.
23h, perdera o próximo vôo. Sem dinheiro ou telefone, coberta ou comida. Pousaria por 7 dias num aeroporto desconhecido. 3h, a companhia aérea informa que não pode retornar à cidade de origem, assim como não pode seguir para a cidade destino nos próximos 7 dias.
O desespero não alcançava sua mente ocupada com informações e planejamentos. Traçava cuidadosamente o caminho deste labirinto que a levaria à espera e chegada segura e não confortável. Estava presa, e assim como um preso, pediu uma ligação. Não atendiam. Tentou outro número.
Enquanto informava o incidente, escutava a voz madura e segura do senhor que, ainda imperceptivelmente, tentava ajudá-la.
"Vou dar para esta jovem a passagem de volta! Assim, não esperará uma semana por seu vôo neste lugar."
Não acreditou no que ouviu. Desligou o telefone. Perguntou se era verdade. Não sabia manifestar gratidão - sempre foi acostumada a fazer por si, ou não reconhecer ajudas adversas.
Não sabia como agir. Não sabia o que falar. Seu restrito vocabulário não previa situações atípicas - tais como essa. Decolaram juntos, em classes separadas. Desembarcando, sentiu prazer em revê-lo. Seus olhos marcantes revelavam a bondade e o cansaço de uma noite mal dormida.
E foi durante a noite que percebeu que o objeto deixado no lugar ao qual retornaria, materializara-se.
Agradeceu.
Pegou novamente o objeto ilegal. Guardou para si.
Sabia que a partir daquele momento, a vida não seria mais a mesma.
Descobriu que a bondade é uma manifestação extensiva do Amor.
Estava protegida.